O Resgate do Soldado LAVATRON
Fui com os colegas de república à uma festa na Lapa. Na volta, já (bem cedo) de manhã, paramos ainda longe de casa para comer alguma coisa e ali, na sarjeta, estava uma máquina de lavar gigantesca e magnífica. Lavatron, como seria nomeado posteriormente. Meio arrebentado, um tanto enferrujado, todo quadradão e pesadísimo - lembrava uma daquelas geladeiras antiquíssimas que eram feitas pra nunca mais estragar.
Lavatron fora jogado fora para quem quisesse carregá-lo dar fim, supomos. Deliberamos e decidimos que seria uma ótima aquisição para a vida comunal na ReSaCa. Acho que ainda sob a empolgação de tê-lo encontrado, conseguimos levantá-lo sem muito drama. Atravessamos a avenida, assentamos Lavatron na entrada de uma lanchonete. Entramos e fizemos a refeição matutina clássica de quem volta da Lapa (com direito a larvinha na salada), montando guarda simbólica para evitar que alguém levasse embora nosso amigo Lavatron.
Colocamos os restos (a serem aproveitados depois) dentro dele, uma solução óbvia e higiênica para o problema de ter de carregar uma máquina de lavar gigantesca carregando comida simultaneamente. Éramos quatro, e dividindo os muitos quilogramas de Lavatron igualmente entre nós ainda sobravam, com certeza, quilos o suficiente para mais um conjunto dos mesmos quatro. Os lucros imagináveis (a economia com lavanderia) eram muito altos, no entanto, para que desistíssemos. Era quadradão, difícil de carregar e cheio de partes que eram próprias para causar hematomas e arranhões, mas nem isso nos deteve, graças à aplicação da estratégia dos descansos.
São onipresentes nas calçadas de Copacabana os pequenos postes de ferro ou concreto colocados para evitar que os motoristas estacionem ou passem com os carros por ali, cada um com um metro de altura e todos separados por dois ou três metros entre si. Não sei como se chamam, mas naquele dia eram o 'descanso'. Dado que Lavatron pesava uma quantia ainda desconhecida entre cem e quatrocentos quilogramas (os testemunhos dos envolvidos divergem), conseguíamos com muito esforço carregá-lo de um descanso para o outro, e só. Sendo que estávamos distante de casa mais de um quilômetro, imagina-se que cada avanço de dois metros e meio em média não era motivo pra comemoração. Mas era.
Apesar dos danos estruturais infligidos a Lavatron e a nós mesmos, conseguimos avançar um bom pedaço. Tivemos de pedir ajuda a um pobre estudante que marchava em pleno sábado de manhã para uma prova de matemática. 'Ei, amigo, dá uma mão aqui'. 'Mas eu tô comendo um salgado, tomando um açaí...', disse ele. 'Não faz mal', respondemos, 'a gente espera'. Foi nesse dia que aprendi que as palavras mágicas pra pedir ajuda a um cariocas não são por favor e obrigado, como me ensinaram na pré-escola, mas 'quebra esse galhão pra gente aí'. Depois de receber a ajuda do infeliz 'voluntário' e mandá-lo seguir seu caminho (todo sujo e esfolado em direção a uma prova de geometria plana), conseguimos alugar a ajuda de um feirante para carregar Lavatron pelos últimos cem metros, usando uma engenhoca de carregar produtos que envolve um caixote, uma bicicleta e um feirante bem disposto a ganhar dez trocos.
Chegávamos ao final da jornada surrados, arranhados e cansados e a antecipação era enorme: será que Lavatron vai funcionar? Será que, mesmo que funcionasse antes, o dano estrutural que causamos a ele não tenha sido demais para o pobre coitado? Será que a coca-cola que deixamos dentro dele ainda tem gás depois desse chacoalho todo? A montagem de Lavatron foi fácil, era uma questão de encaixes forçados e de quebrar boa parte das conexões sensíveis até que ficassem penduradas o suficiente.
Conectamos Lavatron na tomada. Hora da verdade. Girou-se o botão e... nada. Não funcionou. Desespero. Tudo isso pra nada? Valeu a pena? Eis que alguém lembrou, antes da fúria em massa descambar para uma inevitável escolha de culpado e linchamento: 'troca a tomada, essa tá meio quebrada e os buracos tão um pouco apertados'. Trocamos. E funcionou! Tudo vale a pena quando a tomada não é pequena. Para testar se estava puxando água despejamos um pouco da coca-cola no tubo e tudo funcionou maravilhosamente bem.
Que alegria, Lavatron girando as partes que deviam girar e fazendo um barulho ensurdecedor como deveria fazer! Que alegria, o resgate do soldado Lavatron um sucesso, nossos braços machucados, arranhados e cortados, mas nossa missão cumprida!
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Ninguém nunca usou Lavatron. Ele ficou lá, instalado num canto, sem que ninguém se dignasse a comprar sabão em pó uma única vez, apesar de todos os apelos da empregada para que o fizéssemos. 'Posso pelo menos lavar os panos de limpeza', dizia ela. Apenas algum tempo depois, alguém comprou uma máquina nova e Lavatron foi novamente parar na sarjeta, esperando o próximo grupo de desavisados ávidos por aventura em uma manhã de sábado. Espero que tenha uma boa vida de uso. Espero que faça nosso sacrifício valer a pena. Espero que eu não tenha contraído tétano.
Lavatron fora jogado fora para quem quisesse carregá-lo dar fim, supomos. Deliberamos e decidimos que seria uma ótima aquisição para a vida comunal na ReSaCa. Acho que ainda sob a empolgação de tê-lo encontrado, conseguimos levantá-lo sem muito drama. Atravessamos a avenida, assentamos Lavatron na entrada de uma lanchonete. Entramos e fizemos a refeição matutina clássica de quem volta da Lapa (com direito a larvinha na salada), montando guarda simbólica para evitar que alguém levasse embora nosso amigo Lavatron.
Colocamos os restos (a serem aproveitados depois) dentro dele, uma solução óbvia e higiênica para o problema de ter de carregar uma máquina de lavar gigantesca carregando comida simultaneamente. Éramos quatro, e dividindo os muitos quilogramas de Lavatron igualmente entre nós ainda sobravam, com certeza, quilos o suficiente para mais um conjunto dos mesmos quatro. Os lucros imagináveis (a economia com lavanderia) eram muito altos, no entanto, para que desistíssemos. Era quadradão, difícil de carregar e cheio de partes que eram próprias para causar hematomas e arranhões, mas nem isso nos deteve, graças à aplicação da estratégia dos descansos.
São onipresentes nas calçadas de Copacabana os pequenos postes de ferro ou concreto colocados para evitar que os motoristas estacionem ou passem com os carros por ali, cada um com um metro de altura e todos separados por dois ou três metros entre si. Não sei como se chamam, mas naquele dia eram o 'descanso'. Dado que Lavatron pesava uma quantia ainda desconhecida entre cem e quatrocentos quilogramas (os testemunhos dos envolvidos divergem), conseguíamos com muito esforço carregá-lo de um descanso para o outro, e só. Sendo que estávamos distante de casa mais de um quilômetro, imagina-se que cada avanço de dois metros e meio em média não era motivo pra comemoração. Mas era.
Apesar dos danos estruturais infligidos a Lavatron e a nós mesmos, conseguimos avançar um bom pedaço. Tivemos de pedir ajuda a um pobre estudante que marchava em pleno sábado de manhã para uma prova de matemática. 'Ei, amigo, dá uma mão aqui'. 'Mas eu tô comendo um salgado, tomando um açaí...', disse ele. 'Não faz mal', respondemos, 'a gente espera'. Foi nesse dia que aprendi que as palavras mágicas pra pedir ajuda a um cariocas não são por favor e obrigado, como me ensinaram na pré-escola, mas 'quebra esse galhão pra gente aí'. Depois de receber a ajuda do infeliz 'voluntário' e mandá-lo seguir seu caminho (todo sujo e esfolado em direção a uma prova de geometria plana), conseguimos alugar a ajuda de um feirante para carregar Lavatron pelos últimos cem metros, usando uma engenhoca de carregar produtos que envolve um caixote, uma bicicleta e um feirante bem disposto a ganhar dez trocos.
Chegávamos ao final da jornada surrados, arranhados e cansados e a antecipação era enorme: será que Lavatron vai funcionar? Será que, mesmo que funcionasse antes, o dano estrutural que causamos a ele não tenha sido demais para o pobre coitado? Será que a coca-cola que deixamos dentro dele ainda tem gás depois desse chacoalho todo? A montagem de Lavatron foi fácil, era uma questão de encaixes forçados e de quebrar boa parte das conexões sensíveis até que ficassem penduradas o suficiente.
Conectamos Lavatron na tomada. Hora da verdade. Girou-se o botão e... nada. Não funcionou. Desespero. Tudo isso pra nada? Valeu a pena? Eis que alguém lembrou, antes da fúria em massa descambar para uma inevitável escolha de culpado e linchamento: 'troca a tomada, essa tá meio quebrada e os buracos tão um pouco apertados'. Trocamos. E funcionou! Tudo vale a pena quando a tomada não é pequena. Para testar se estava puxando água despejamos um pouco da coca-cola no tubo e tudo funcionou maravilhosamente bem.
Que alegria, Lavatron girando as partes que deviam girar e fazendo um barulho ensurdecedor como deveria fazer! Que alegria, o resgate do soldado Lavatron um sucesso, nossos braços machucados, arranhados e cortados, mas nossa missão cumprida!
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Ninguém nunca usou Lavatron. Ele ficou lá, instalado num canto, sem que ninguém se dignasse a comprar sabão em pó uma única vez, apesar de todos os apelos da empregada para que o fizéssemos. 'Posso pelo menos lavar os panos de limpeza', dizia ela. Apenas algum tempo depois, alguém comprou uma máquina nova e Lavatron foi novamente parar na sarjeta, esperando o próximo grupo de desavisados ávidos por aventura em uma manhã de sábado. Espero que tenha uma boa vida de uso. Espero que faça nosso sacrifício valer a pena. Espero que eu não tenha contraído tétano.