Vingança
Aconteceu que depois de usar o computador de um colega de república, deixei o email logado. Previsivelmente, foi enviado uma mensagem em meu nome endereçada aos colegas de república (cópia para todos), tirando sarro com minha já dessarrada cara e desmoralizando meu justo e merecido status de super campeão, mestre do mestres do Mario Kart 64.
Jurei vingança.
Após uma breve ponderação descobri quem foi o perpretador e, portanto, alvo de minha certeira retaliação. Vamos chamá-lo de Vítima, apesar do nome evocar um sentimento de inocência que não existe no sujeito (afinal de contas, ele que começou).
Descoberto o alvo, tracei um plano. Toda vez que Vítima digitava uma senha, eu observava atentamente os padrões, quais teclas eram pressionadas, quantas com a mão esquerda, quantas com a mão direita, quantos caracteres especiais. Quantas horas de investigação! Eis que após cruzar as informações obtidas pelo processo de observação por-cima-do-ombro com as provenientes de engenharia social e análises psicológica e social de Vítima, consegui obter uma de suas senhas.
A do Facebook.
Mas não postei imediatamente um comentário degradante sobre Vítima. Não li nenhuma de suas mensagens particulares para fazer graça dele junto ao grupo de amigos que temos em comum. Não entrei em nenhuma comunidade de objetivos homoeróticos para tirar um merecido sarro com a sua também dessarrada cara (aliás, existe comunidade no Facebook?). Não, oh, não, meu amigo. Minha vingança é clara, objetiva e paciente.
Durante um longo tempo, entrei todos os dias na conta de Vítima e imediatamente troquei a linguagem da interface de English(US) - inglês norte-americano - para English(Upside Down) - inglês invertido. Sim, meu caro, existe uma opção para deixar todo o texto do Facebook ao contrário. Vítima, sem saber o que acontecia, deve ter ficado confuso; porque diabos meu Facebook está de cabeça para baixo? Por que minha vingança assim decretou, Vítima. E minha vingança é suprema.
Só consigo imaginar as reações de Vítima em cada uma das 37 vezes que fiz a mesma coisa. Será que desconfiou que alguém tinha sua senha? "Não, não pode ser, já teria postado bobagem em meu nome ou lido alguma notificação a essa altura". Mas onde tantos outros fracassariam, minha sede de vingança triunfou.
E triunfou também minha habilidade de encenação. Não contente com o infortúnio a que submeti Vítima, ainda torturei-lhe um pouco mais. Hoje mesmo tivemos uma conversa que se deu da seguinte forma:
- Viu essa notícia ? - mostrando notícia sobre novos vírus e malwares que podem importunar os incautos que clicam em links inseguros na rede social em questão.
- Cara, acho que tenho algo do tipo, já faz tempo que meu Facebook fica de cabeça para baixo.
Para manter a farsa, tive de fazer cara de espanto. Lutei contra a gargalhada que surgiu do fundo de meus pulmões, do fundo mais profundo que os mares mais profundos do mundo dos meus pulmões; pressionei o machucado que tenho no joelho com força para que a dor me ajudasse a impedir que o júbilo irrompesse pela minha traquéia como o petróleo vazante de uma plataforma marítima da British Petrol. Lutei, sofri, e consegui.
Hoje, amanhã ou quiçá na próxima semana Vítima lerá estas linhas e trocará sua senha. Até lá, terá que continuar treinando sua já proficiente (conforme me disse) leitura invertida. Espero que leve para sempre consigo as palavras que saíram de minha boca enquanto engolia a maior gargalhada da história da humanidade:
- É... tem que ver isso aí.