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2 de junho de 2023

Projetos

A vida adulta é a antessala da morte. 

E no meio tempo, como um gordo que lê revistas antigas na sala de espera da nutricionista, a gente tenta se entreter com alguma coisa. Inventamos nossos próprios joguetes que chamamos, bastante literalmente, de 'passatempos'.  Por exemplo, contar o número de propagandas que fazem o gordo sofrer - sorvete, pannetone, trilha aventureira morro acima, etc.

Alguns passatempos são tão ambiciosos (ou tomam tanto tempo, ou custam tantos reais para comprar o material necessário) que chamamos de projetos

Alguns destes projetos cumprimos, num fim de semana ou feriadão ou férias. Mas outros, por motivo quase sempre inventado, deixamos eternamente em estase, como o tal gordo prometendo que vai começar a ir na academia.

Tenho vários exemplos de coisas não botei em prática - um filme sobre um investigador resolvendo um crime com a ajuda da entidade Vovó Cambinda, no estilo Rubem Fonseca (mas mal escrito, claro); programar um joguinho de gnomos roubando cubos de açúcar; etc,. 

Eu tive, por exemplo, o projeto de aproveitar o passeio diário com a Olívia (o Cachorro Raro(tm)) para juntar um lixo que encontro, aqui e ali, às vezes, no parque Guinle.

Não que o parque seja todo sujo - pelo contrário, mas a relativa falta de sujeira dá até mais vontade de juntar aquela guimba de cigarro mais perdida, ou aquele pedaço de sacola plástica desgarrado, perdido sobre um montinho de areia do parquinho das crianças como se fosse aquele gordo (aquele, da sala de espera) agora tornado beduíno, ou um extra no set auxiliar d'O Paciente Inglês ou outro filme de deserto que foi lançado na época em que a revista foi publicada.

 E o tempo passa de qualquer maneira mesmo sem que a gente o passatemporize. Só dá tempo de inventar umas palavras que não existem e torcer pra que ninguém estranhe e procure no google.

Enfim, essa ideia de limpar o parque exemplifica o motivo pelo qual esses projetos não se concretizam: a gente fica inventando o motivo. 

Neste caso estabeleci arbitrariamente que precisava do material correto - um pegador de lixo, uma haste com um botão que abre e fecha uma pinça, sabe? Como nunca comprei o tal pegador (óbvio) nunca juntei um mínimo pedaço de detrito no parque, exceto os produzidos ao vivo pela cachorra.

E o pouco lixo continua lá, como o gordo ainda esperando ser chamado para a consulta.