Conforto
Odeio ser incomodado e adoro conforto. E meu conforto é maior quando incomodo os outros. Que outros? Todos os outros. Qualquer outros. E como todo delinqüente juvenil (juvenil, sim, a juventude é um estado de espírito!) tenho preferência por figuras de autoridade quando incomodo.
Depois de comprar um computador portável e muito pesado para ser portátil decidi que usá-lo enquanto deitado na cama, com ele sobre o colo, era algo desconfortável. Precisava de uma daquelas mesinhas, tipo de café na cama, com pernas retráteis ou dobráveis. Depois de uma breve pesquisa de mercado e de extorquir alguns informantes, tracei o plano para me apoderar de uma. Um plano mesquinho, vil e traiçoeiro, mas eu estava determinado. Assim, naquele dia, fui até a igreja para me confessar por antecedência.
Esperando na fila da confissão, convenci as senhoras que lá estavam que sim, abrir emails de estranhos era pecado. Reencaminhar para toda a lista de contatos, então, pecado mortal. E que com certeza adicionaram um novo círculo ao Inferno para quem comete esses pecados virtuais. Chegou a minha vez de ser atendido e adentrei o confessionário.
- Salve, filho - disse o padre.
- Padre, vim me confessar por um crime terrível.
- Que crime?
Não respondi. Já tinha saído correndo do confessionário, da igreja, da cidade. E levei comigo o banquinho de se ajoelhar do padre, que fiz cair com um sonoro tum no chão gelado da igreja (e era um inverno malvado) quando o arranquei de sobre os joelhos dele. O banquinho de se ajoelhar do padre, uma mesa perfeita para usar notebook na cama (e, suspeito, além de tudo, abençoado) já era meu. Poderia ter levado qualquer um dos que estavam espalhados pela igreja, mas me senti mais confortável me confessando em pleno ato. E, claro, prejudicando uma figura de autoridade religiosa. Na semana seguinte roubei a lista de votos comprados de um vereador da cidade vizinha, mas isso é outra história.