Meio-mais-meio
Em mais um dos jantares pré-jogatina:
- Que tal levantar e ir embora? A gente tá sentado aqui faz mais de meia hora.
- Boa idéia.
E levantamos. Vamos para a fila do caixa pagar a conta, porque sair correndo sem pagar é tão last week.
- Ok, eu pago a coca que que a gente bebeu, mais isso, isso e aquilo - digo, apontando para a comanda - Eu calculo quinze com trinta, tô certo?
Várias batidas de dedos na calculadora, algumas anotações com a caneta no papel e a moça do caixa responde: sim.
- Eu pago só isso e isso - diz um colega de jogatina também empanturrado.
Mais cálculos, riscaria e a caixa anuncia o valor. Enquanto isso, separo minha parte do dinheiro e coloco sobre o caixa. Meu colega faz o mesmo logo depois e passamos o dinheiro para ela, que é quando temos uma idéia.
- Que tal levar umas cocas pra tomar durante o jogo?
- Boa. Quantas?
- Três.
- Eu pago uma e meia.
- Eu pago o resto.
Fazemos as contas, somamos com as dívidas da janta e pagamos. Tudo certo. E então recebemos o nosso pacote pra levar: duas cocas.
- Duas cocas? A gente pagou três - digo, calmo.
- Sim, mas vocês tomaram uma na mesa - responde a moça.
- Não, aquela tava inclusa nos quinze com trinta, certo?
- Certo. - diz ela depois de refazer o cálculo.
E sorri. E olha para a fila - que cresce como um pênis na savana onde não possui predadores naturais - como se quisesse chamar os próximos. Quer nos mandar embora sem nossa coca.
- Então... mais uma coca pra gente levar? - diz meu amigo.
- Então são mais três reais e cinquenta. - responde ela.
- Como assim? Se a coca que a gente tomou na mesa tá paga e a gente pagou mais três, falta uma aqui. Não queremos a quarta - argumentou.
- Mas vocês só pagaram duas extras - diz ela. Nesse ponto, as outras pessoas na fila começam a prestar atenção no que está demorando tanto.
- Não, a gente pagou três extras - diz meu amigo.
- É, eu paguei uma e meia e ele outra e meia.
- Então. - diz ela.
- Então! - digo eu.
- São duas cocas! - ela.
- São três cocas! - eu.
Pessoal na fila já rindo. Olho para meu amigo, que me olha, estamos desconcertados, como dizer para alguém na frente de outras pessoas que ela é péssima em contas simples? Ou sou eu que perdi o anúncio de que um e meio mais um e meio é igual a dois para valores pequenos de um?
- Olha, se eu paguei a coca que a gente tomou na mesa junto com minha janta, mais uma coca e meia - começo eu.
- Hum... - ela acompanha.
- São um-e-meio... - continuo.
- Hum... - ela acompanha.
- Mais um-e-meio... - continuo.
- Hum... - ela acompanha mais uma vez.
- Que dá três no total. - concluo.
- Hum...? - se perdeu.
Meu amigo dá uma risadinha nervosa. Vou tentar mais uma vez, penso, e partir pra tática da semana passada, sair correndo e derrubar algumas mesas para efeito dramático. Talvez dessa vez eu consiga chutar uma criança no caminho, no nosso jogo particular (Sair Correndo Sem Pagar Championship) chutar alguém no caminho vale dez pontos, crianças quinze. Crianças cegas vinte, mas não estava em condições de verificar a visão das vítimas potencias naquela hora, precisava me concentrar na explicação.
- Ok, tipo, um-mais-um dá dois, né?
- Hum... - ela acompanha de novo, penso que comecei bem.
- E meio-mais-meio dá um, né?
- Hum... - ela acompanha ainda, o cenário parece promissor.
- E um-e-meio mais um-e-meio é um-mais-um, que é dois, mais meio-mais-meio, que é um. Dois-mais-um dá três, certo?
Silêncio constrangedor, se não fosse a conversa ambiente, o barulho de pratos da cozinha, alguns carros passando na rua, os dois televisores ligados e as reclamações e risos do pessoal na fila. Ok, talvez não silêncio, mas ainda assim constrangedor.
- Ah! - diz ela, entendendo, graças à minha mímica particularmente genial que é deveras difícil de descrever e portanto deixo a cargo dos historiadores definirem como foi.
O pessoal na fila ri um pouco e reclama um pouco mais pela demora, mas eu e meu amigo estamos aliviados, não vamos precisar sair correndo e ainda vamos poder levar três cocas. A moça nos entrega o pacote (agora certo) e ainda tira uma desculpa de trás do balcão, não sei de onde (não quero parecer boca suja):
- É que eu achei que vocês não tinham pago a que tinham tomado na mesa...
Claro. Afinal, eu só repeti a conta uma vez e ela mesma duas. Ninguém é obrigado a acertar uma conta simples de soma nas primeiras cinco tentativas! Felizmente, no final pudemos pagar como bons cidadãos, levar nossas cocas, não apanhamos de ninguém que esperou a aula de matemática básica na fila e ainda por cima consegui chutar uma menina na porta. Depois menti pros amigos que ela era cega.
- Como assim? Vocês não viram que ela tinha um cachorro-guia?!
- Que tal levantar e ir embora? A gente tá sentado aqui faz mais de meia hora.
- Boa idéia.
E levantamos. Vamos para a fila do caixa pagar a conta, porque sair correndo sem pagar é tão last week.
- Ok, eu pago a coca que que a gente bebeu, mais isso, isso e aquilo - digo, apontando para a comanda - Eu calculo quinze com trinta, tô certo?
Várias batidas de dedos na calculadora, algumas anotações com a caneta no papel e a moça do caixa responde: sim.
- Eu pago só isso e isso - diz um colega de jogatina também empanturrado.
Mais cálculos, riscaria e a caixa anuncia o valor. Enquanto isso, separo minha parte do dinheiro e coloco sobre o caixa. Meu colega faz o mesmo logo depois e passamos o dinheiro para ela, que é quando temos uma idéia.
- Que tal levar umas cocas pra tomar durante o jogo?
- Boa. Quantas?
- Três.
- Eu pago uma e meia.
- Eu pago o resto.
Fazemos as contas, somamos com as dívidas da janta e pagamos. Tudo certo. E então recebemos o nosso pacote pra levar: duas cocas.
- Duas cocas? A gente pagou três - digo, calmo.
- Sim, mas vocês tomaram uma na mesa - responde a moça.
- Não, aquela tava inclusa nos quinze com trinta, certo?
- Certo. - diz ela depois de refazer o cálculo.
E sorri. E olha para a fila - que cresce como um pênis na savana onde não possui predadores naturais - como se quisesse chamar os próximos. Quer nos mandar embora sem nossa coca.
- Então... mais uma coca pra gente levar? - diz meu amigo.
- Então são mais três reais e cinquenta. - responde ela.
- Como assim? Se a coca que a gente tomou na mesa tá paga e a gente pagou mais três, falta uma aqui. Não queremos a quarta - argumentou.
- Mas vocês só pagaram duas extras - diz ela. Nesse ponto, as outras pessoas na fila começam a prestar atenção no que está demorando tanto.
- Não, a gente pagou três extras - diz meu amigo.
- É, eu paguei uma e meia e ele outra e meia.
- Então. - diz ela.
- Então! - digo eu.
- São duas cocas! - ela.
- São três cocas! - eu.
Pessoal na fila já rindo. Olho para meu amigo, que me olha, estamos desconcertados, como dizer para alguém na frente de outras pessoas que ela é péssima em contas simples? Ou sou eu que perdi o anúncio de que um e meio mais um e meio é igual a dois para valores pequenos de um?
- Olha, se eu paguei a coca que a gente tomou na mesa junto com minha janta, mais uma coca e meia - começo eu.
- Hum... - ela acompanha.
- São um-e-meio... - continuo.
- Hum... - ela acompanha.
- Mais um-e-meio... - continuo.
- Hum... - ela acompanha mais uma vez.
- Que dá três no total. - concluo.
- Hum...? - se perdeu.
Meu amigo dá uma risadinha nervosa. Vou tentar mais uma vez, penso, e partir pra tática da semana passada, sair correndo e derrubar algumas mesas para efeito dramático. Talvez dessa vez eu consiga chutar uma criança no caminho, no nosso jogo particular (Sair Correndo Sem Pagar Championship) chutar alguém no caminho vale dez pontos, crianças quinze. Crianças cegas vinte, mas não estava em condições de verificar a visão das vítimas potencias naquela hora, precisava me concentrar na explicação.
- Ok, tipo, um-mais-um dá dois, né?
- Hum... - ela acompanha de novo, penso que comecei bem.
- E meio-mais-meio dá um, né?
- Hum... - ela acompanha ainda, o cenário parece promissor.
- E um-e-meio mais um-e-meio é um-mais-um, que é dois, mais meio-mais-meio, que é um. Dois-mais-um dá três, certo?
Silêncio constrangedor, se não fosse a conversa ambiente, o barulho de pratos da cozinha, alguns carros passando na rua, os dois televisores ligados e as reclamações e risos do pessoal na fila. Ok, talvez não silêncio, mas ainda assim constrangedor.
- Ah! - diz ela, entendendo, graças à minha mímica particularmente genial que é deveras difícil de descrever e portanto deixo a cargo dos historiadores definirem como foi.
O pessoal na fila ri um pouco e reclama um pouco mais pela demora, mas eu e meu amigo estamos aliviados, não vamos precisar sair correndo e ainda vamos poder levar três cocas. A moça nos entrega o pacote (agora certo) e ainda tira uma desculpa de trás do balcão, não sei de onde (não quero parecer boca suja):
- É que eu achei que vocês não tinham pago a que tinham tomado na mesa...
Claro. Afinal, eu só repeti a conta uma vez e ela mesma duas. Ninguém é obrigado a acertar uma conta simples de soma nas primeiras cinco tentativas! Felizmente, no final pudemos pagar como bons cidadãos, levar nossas cocas, não apanhamos de ninguém que esperou a aula de matemática básica na fila e ainda por cima consegui chutar uma menina na porta. Depois menti pros amigos que ela era cega.
- Como assim? Vocês não viram que ela tinha um cachorro-guia?!